A conversa desta semana é com a jornalista e cicloativista, Aline Cavalcante, sergipana que mora há mais de 10 anos em São Paulo e é considerada uma das vozes mais atuantes no tema da ciclomobilidade no Brasil e no mundo.
Especialista no tema e personagem principal do documentário sueco “Bikes vs Cars”, Aline viajou por diversos países e considera que Aracaju está perdendo a oportunidade de se colocar na ponta da mobilidade inteligente no país. “Aracaju é uma cidade linda, plana, agradável e ainda tem bastante espaço pra crescer priorizando pedestres, ciclistas, o transporte público e sobretudo as áreas verdes. É muito triste receber notícias de remoção de árvores ou destruição de mangues para dar lugar a prédios ou faixas de carro. As melhores experiências de cidades do mundo têm feito exatamente o caminho inverso”, comentou Aline durante bate papo com o arquiteto e urbanista Breno Garibalde, que pode ser conferido na íntegra no Youtube.
O desenvolvimento da capital sergipana, que abarca a questão da mobilidade, vem sendo alvo de críticas por especialistas em planejamento urbano. Para Breno, é inaceitável Aracaju não ter um Plano Diretor Estratégico debatido amplamente com a população e que dê conta das demandas mais atuais das pessoas e da cidade.
“O Plano Diretor precisa ser enxergado pela gestão pública e pelos cidadãos como o principal instrumento de construção de uma cidade. É nele onde se concentram os interesses de todos e onde encontramos as definições de onde e como a cidade deve crescer nos próximos anos, quais os pontos devem ser observados e de que forma aliar desenvolvimento social, urbano, econômico e sustentável. O estudo que temos hoje é de 1995 e é absolutamente inaceitável imaginar que a cidade de Aracaju cresce e se desenvolve ano a ano sem um horizonte minimamente planejado”, acrescentou Garibalde.
Plano de Mobilidade
Para Aline, a importância do Plano Diretor é impulsionar também a criação e execução de um Plano de Mobilidade, ambos instrumentos obrigatórios por lei para cidades com mais de 20 mil habitantes.
“Eu tinha muito orgulho de ver o quanto Aracaju era bem avaliada há alguns anos, em comparação a outras capitais, mas infelizmente a sensação que temos é de que Aracaju parou no tempo. O município está há anos sem investimento robusto nas ciclovias, sem priorizar a mobilidade humana, sem fazer manutenção cicloviária e perdendo sua qualidade de vida. Os índices de congestionamentos, poluição do ar e mortes no trânsito tendem a aumentar muito quando priorizamos o automóvel em detrimento dos ônibus, pedestres e ciclistas. Nenhuma cidade do mundo resolveu seus problemas de mobilidade investindo em mais vias para carro, é só olhar as experiências internacionais, onde já existem muitos dados e evidências que comprovam isso”, afirmou.
Da vanguarda ao abandono das ciclovias
A reclamação do abandono da política cicloviária é unânime entre usuários da bicicleta como meio de transporte em Aracaju. Para Waldson Costa, ciclista, geógrafo e pesquisador, é insuficiente pensar na bicicleta sob a perspectiva apenas do lazer e esporte. É preciso voltar a investir na bicicleta como mobilidade urbana, conectando as ciclovias das periferias com o centro e construindo equipamentos de intermodalidade, como os bicicletários públicos e estações de bikes compartilhadas nos terminais de integração de ônibus. “Os grande feitos que existem hoje das bicicletas compartilhadas são de quando elas se iniciam, principalmente, nas regiões onde se tem maior demanda pelo uso da bicicleta, que são justamente nas periferias, pra depois ter um uso turístico e de lazer nas áreas nobres, como tivemos aqui em Aracaju. Nós começamos pelo fim”, lembrou Waldson.
Na live, que pode ser assistida aqui, Waldson abordou temas como os aspectos a serem considerados durante o planejamento e as obras das ciclovias, contexto de gênero e infância para estimular uma nova geração de ciclistas, importância da arborização urbana, iluminação pública, segurança viária e intermodalidade.
“Existem pesquisas que mostram que se você reduz a velocidade em 5% a diminuição de acidentes é muito significativa. Essa política de redução de velocidades está sendo adotada pelas melhores cidades do mundo. A partir do momento que a gente reduz a velocidade dos automóveis, não precisa de grandes investimentos para trazer novamente as pessoas para as ruas. Se a velocidade é menor, a letalidade no trânsito também é menor e isso possibilita o compartilhamento das vias, sem necessidade de construção de ciclovias pela cidade inteira”, afirmou Waldson.
Em sua visão de especialista, Breno Garibalde ressalta que não é necessário reinventar a roda, pois já existem ótimos exemplos na América Latina e até no nordeste do Brasil que poderiam servir de inspiração para os aracajuanos. “Fortaleza e mais recentemente Salvador vêm recebendo prêmios, trazendo resultados positivos, sobretudo para a população de baixa renda, se destacando por suas políticas de ciclomobilidade e de mobilidade ativa integradas ao transporte de alta capacidade. Isso gera mais qualidade de vida, eficiência nos deslocamentos e consequentemente menos perdas para a cidade”.
Papel do setor privado
O arquiteto reforça que mudar a lógica de mobilidade de uma cidade também é compromisso das empresas e que isso pode atrair mais investimentos para Aracaju. “Não é só responsabilidade do poder público, é um esforço coletivo. Não adianta ir pedalar na Europa durante as férias e não contribuir para que essa realidade chegue aqui. As empresas podem e devem ter um papel de protagonismo nesse debate, seja incentivando seus funcionários, gerando bonificação aos ciclistas, apoiando as políticas de ciclomobilidade, disponibilizando bicicletários em suas empresas, patrocinando projetos, pesquisas, financiando ações públicas, promovendo inventários de mobilidade, entre outras iniciativas. Só assim Aracaju poderá um dia ser uma cidade inteligente e voltar a receber o título da capital com a melhor qualidade de vida do país”, finalizou.
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